Saltam de helicópteros, executam resgates em alto-mar e participam de missões em ambientes extremos, como no continente antártico. São os primeiros a entrar em ação em situações de emergência submarina — e, muitas vezes, os últimos a sair. Na Marinha do Brasil (MB), essa atuação estratégica divide-se em duas especialidades: os Mergulhadores Escafandristas (EK) e os Mergulhadores de Combate (MEC).
Cada uma dessas especialidades possui formação, rotina e atribuições específicas, mas compartilham a mesma vocação: atuar onde poucos têm coragem de ir. Ambas exigem elevado preparo físico, capacidade de operar sob pressão e dedicação a um propósito maior.
Formação e atuação dos Mergulhadores Escafandristas
O curso de formação para Oficiais Escafandristas tem duração de nove meses, com início antecipado de três meses para as Praças. É estruturado em módulos como Natação de Resgate, Mergulho Autônomo, Mergulho Dependente, e Corte e Solda Submarina. A exigência é elevada, com taxa média de reprovação entre 40% e 50%. “É importante compreender que o curso de mergulho não é um curso de natação. Embora seja necessário saber nadar bem, trata-se de uma atividade técnica, de alto risco, voltada a operações específicas. O aluno enfrentará condições adversas que exigem habilidade e controle dentro da água”, explica.
Após a formação, o militar pode prosseguir sua qualificação com cursos de Mergulho Técnico e Mergulho Saturado. Além das atividades operativas, o Escafandrista tende a seguir a trajetória profissional previamente definida, exercendo funções técnicas a bordo. É o caso do Capitão de Corveta Everton, que chefiou o Departamento de Máquinas do Navio de Socorro Submarino (NSS) “Felinto Perry”. A escafandria, nesse contexto, constitui especialização adicional à habilitação original do Oficial, seja ela em máquinas, eletrônica ou armamento.

O interesse pela carreira militar surgiu ainda na infância, quando o então futuro Capitão de Corveta Everton Silva Barbosa desejava seguir os passos do pai como Fuzileiro Naval. Durante o curso no Colégio Naval, uma apresentação sobre a carreira de Mergulhador de Combate (MEC) despertou um novo interesse. Já como Primeiro-Tenente, anos depois, tentou ingressar na especialidade, mas foi reprovado no exame psicotécnico. “Segundo a psicóloga, eu fugia muito do perfil buscado para um Mergulhador de Combate”, relata.
A reprovação inicial o levou a considerar uma nova possibilidade ao descobrir que a escafandria apresentava um perfil distinto e uma lógica de formação própria. Aprovado no processo seletivo, tornou-se Mergulhador Escafandrista (EK) em 2015. Atualmente, aos 39 anos, é o Encarregado da Escola de Mergulho do Centro de Instrução e Adestramento Almirante Áttila Monteiro Aché (CIAMA).
“O Mergulhador é especialista em socorro e salvamento. Não nos preparamos para nós mesmos, mas para salvar vidas e resgatar materiais em situações críticas”, resume o Capitão de Corveta Everton. Como exemplo da relevância da atividade, cita-se a atuação da Marinha do Brasil na busca por vítimas após a queda da ponte em Estreito (MA), ocorrida em 2024.

Entre as missões mais marcantes de sua carreira, destaca-se a Operação “Antártica” (OPERANTAR), de apoio logístico e científico à Estação Antártica Comandante Ferraz. “Estar naquele ambiente provoca uma mudança de mentalidade. Passamos a enxergar a vida de forma diferente e a compreender o quanto somos pequenos diante da natureza”, avalia.

Uma vida no GRUMEC e na linha de frente
O interesse pela especialidade surgiu quando o então Marinheiro Marcelo Mendes da Silva, egresso da Escola de Aprendizes-Marinheiros do Espírito Santo, testemunhou dois mergulhadores removerem um cabo preso ao hélice de um contratorpedeiro, permitindo que a embarcação voltasse a operar. “Um navio daquele porte, com 270 homens, havia parado. E dois militares solucionaram o problema. Naquele momento, decidi que era aquilo que eu queria fazer”, recorda o Suboficial Mendes, Mergulhador de Combate.
Em 1991, formou-se como Mergulhador Escafandrista. Após oito anos de atuação submersa, concluiu a formação como Mergulhador de Combate (MEC), em sua segunda tentativa, passando a integrar o Grupamento de Mergulhadores de Combate (GRUMEC), unidade de operações especiais da MB. Permaneceu no Grupamento por mais de duas décadas, atuando como operador, planejador de missões e supervisor de equipes, até a passagem para a reserva.
Entre as missões mais relevantes de sua trajetória, destaca-se a participação na primeira atuação do GRUMEC no Líbano, como parte da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL). No Haiti, o Suboficial Mendes e os demais Mergulhadores de Combate integraram operações de estabilização, com patrulhas armadas, ações de desarmamento e apoio às forças locais na apreensão de armamentos ilegais em áreas urbanas sob constante tensão. Também contribuíram com ações cívico-sociais, reforçando a presença do Estado e a percepção de segurança junto à população. “O Haiti, além de ter sido uma missão rica em experiências operacionais, foi transformador no aspecto humano. Passei a valorizar aspectos simples da vida. O valor de uma bala para uma criança, o olhar de agradecimento... É impossível passar seis meses no Haiti e voltar da mesma forma”, reflete.

A formação do MEC está entre as mais exigentes das Forças Armadas. Com duração de 40 semanas, o curso abrange operações especiais, técnicas de infiltração, emprego de explosivos e atuação em ambientes terrestre, marítimo e fluvial. A complexidade do treinamento confere ao profissional elevado grau de preparo técnico e operacional.
Com cerca de mil horas de mergulho acumuladas antes de ingressar no GRUMEC, o Suboficial Mendes destaca que o desafio da formação vai além da exigência física. “A principal dificuldade está na mudança de mentalidade. O militar acostumado ao ambiente naval, com estrutura e conforto, precisa se transformar em um operador de forças especiais, adaptado a condições extremas, como dormir em acampamento e operar com recursos limitados. Essa transição exige uma desconstrução completa”, observa.
Diferenças entre Escafandristas e Mergulhadores de Combate
Embora ambos integrem a especialidade de mergulho militar, os Escafandristas e os Mergulhadores de Combate percorrem trajetórias distintas na MB. O Escafandrista é um especialista em técnicas de mergulho voltadas para o socorro, salvamento e manutenção de meios navais, com atuação embarcada. Já o MEC atua em operações especiais, com ênfase em infiltrações, sabotagens e retomada de embarcações, sendo empregado como força de pronta resposta em missões de elevado risco.

Apesar das diferenças, ambas as especialidades compartilham a mesma coragem e comprometimento. “Nem todos têm disposição para se expor a esse tipo de missão”, resume o Capitão de Corveta Everton. Com perfis distintos, mas igual determinação, os Escafandristas e os Mergulhadores de Combate representam caminhos possíveis para aqueles que almejam uma carreira desafiadora e de elevada importância na MB.
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