O sucesso militar do Japão nas guerras contra a China (1894-1895) e a Rússia (1904-1905) chama a atenção das Forças Armadas de todo o mundo para uma técnica de combate que dispensa o uso de armas. Não demora para o jiu-jitsu atravessar o oceano e chegar ao Brasil. Durante a passagem do Navio-Escola “Benjamin Constant” pelo Japão, em 1908, dois instrutores japoneses embarcaram e passaram a treinar os militares brasileiros. Foi assim, a bordo de um navio da Marinha do Brasil (MB), que essa arte marcial começou a ser praticada no País.
Em dezembro daquele ano, o Jornal do Brasil noticiava a chegada dos estrangeiros: “Este belo vaso de guerra, quando daqui partiu, levou 429 homens, entre oficiais e praças, estando agora com somente 237, por terem ficado na Inglaterra (...). Os dois japoneses, que vêm contratados como professores de jiu-jitsu, chamam-se Sada Miyako e Kakihara.”

Jogo de agilidade e defesa
O então Ministro da Marinha demonstrava entusiasmo com o ensino do jiu-jitsu, visto como um jogo de agilidade, defesa e fortalecimento físico. Em abril de 1908, o jornal O Paiz registrou: “O Sr. Almirante Alexandrino de Alencar (...) telegrafou ontem ao Sr. Capitão de Fragata Gomes Pereira, Comandante do Navio-Escola ‘Benjamin Constant’, recomendando-lhe que, logo que esse navio chegue aos portos japoneses, os nossos oficiais e marinheiros sejam instruídos no jogo do jiu-jitsu.”
Segundo aquele mesmo jornal, a força policial de Paris, capital francesa, já havia adotado com sucesso a arte marcial, que considerava superior ao boxe francês, também conhecido como savate. No Brasil, o jiu-jitsu sofreu resistência da sociedade, que sob a forte influência nacionalista do período, defendia a capoeira como arte a ser ensinada em seu lugar. Ainda assim, a técnica oriental de combate continuou sendo instruída nas organizações militares da Marinha, popularizando-se somente anos depois.

O ensino nos quartéis
“Ainda no ano de 1909, Sada Miyako informava a Ilha de Villegagnon, onde funcionava o Quartel do Corpo de Marinheiros Nacionais, como um de seus endereços de correspondência, o que pode ser visto como um indicativo de sua atuação como instrutor de jiu-jitsu na Armada e também para Praças do Batalhão Naval, então situado na Ilha das Cobras”, conta o Pesquisador da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha (DPHDM) e doutor em História, Primeiro-Sargento (Armamentista) Robert Wagner Porto.
Nas décadas seguintes, outros mestres japoneses se estabeleceram no Brasil, dentre os quais Mitsuyo Maeda, conhecido como Conde Koma, considerado um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento do jiu-jitsu no País. Antes de pisar em terras brasileiras, em 1914, o instrutor já colecionava apresentações e desafios em países da Europa e das Américas Central e do Sul. Em Belém (PA), onde fixou residência, teria ensinado para os filhos do empresário Gastão Gracie e, embora não haja comprovação histórica, seus ensinamentos também teriam alcançado Luiz de França Filho.
Jiu-jitsu brasileiro ganha o mundo
“Esses lutadores passaram a incorporar técnicas de jiu-jitsu a seus repertórios, fato que desdobrou na modalidade conhecida atualmente como Mixed Martial Arts (MMA). Nesse contexto, o jiu-jitsu brasileiro tornou-se mundialmente conhecido e sua difusão teve fundamental participação da família Gracie, que ao longo dos séculos XX e XXI promoveu e participou de inúmeros eventos de luta contra outras modalidades e entre praticantes de jiu-jitsu, com destaque para o Ultimate Fighting Championship (UFC), criado por Rorion Gracie”, explica o Sargento Porto.

Luiz França e seu discípulo Oswaldo Fadda, ambos Fuzileiros Navais da Marinha e nomes reconhecidos do esporte em âmbito nacional, seguiram o legado dos antigos mestres, perpetuando seus ensinamentos entre os militares da Força Naval. “Oswaldo Fadda ingressou na Marinha como Soldado (Fuzileiro Naval) e foi no Quartel Central do Corpo de Fuzileiros Navais, no Batalhão Naval, que teve a oportunidade de ter instruções de jiu-jitsu e defesa pessoal com Luiz França”, lembra o pesquisador da DPHDM.
Benefícios à saúde
Oriundo dessa linhagem de mestres, Julio Cesar Pereira, líder e membro fundador da Grappling Fight Team (GF Team), acredita que a arte marcial japonesa segue conquistando novos públicos no mundo, em reconhecimento aos comprovados benefícios à saúde. “Lá fora, o jiu-jitsu continua crescendo cada vez mais, pela qualidade de vida que proporciona a cada um”, observa o faixa coral (oitavo grau), indicando o exemplo de Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, que teria reduzido o índice de diabetes de sua população após adotar o esporte nas escolas.

Na Força Naval brasileira, a prática do esporte também segue fortalecida. “O jiu-jitsu na Marinha é muito consistente e vem crescendo rapidamente, tanto que há muitas unidades, inclusive navios, que disponibilizam áreas e tatames para a prática da modalidade. Nos cursos de formação de Oficiais e de Praças, são constituídas equipes para a prática do jiu-jitsu e disputa de competições internas e externas à MB”, revela Porto, que recebeu treinamento da modalidade durante o curso para graduação de Sargento no Centro de Instrução Almirante Alexandrino e, hoje, integra a equipe GF Team.
Somente este ano, o Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes (CEFAN) já promoveu o Campeonato da MB, em maio, no Rio de Janeiro (RJ), e está selecionando os atletas que representarão a Força no 1º Campeonato Brasileiro de Jiu-Jitsu das Forças Armadas, marcado para julho, na sede da Comissão de Desportos da Aeronáutica, na capital fluminense. O evento deve reunir 150 atletas das três Forças Armadas nas categorias masculina e feminina, com atletas das faixas marrom e preta.

Onde tudo começou
O Cruzador “Benjamin Constant” deixou o Rio de Janeiro (RJ) em janeiro de 1908, no que seria a segunda viagem de circunavegação de um navio da Marinha após o fim da monarquia. Dos 19 portos previstos no itinerário, três eram japoneses: Yokohama, Nagasaki e Sasebo. A visita acontecia no contexto de aproximação entre Brasil e Japão, após a assinatura do Tratado de Amizade, de Comércio e de Navegação entre os dois países, em 1895. No caminho para a primeira dessas cidades, o Comandante Gomes Pereira avistou uma bandeira encarnada ao passar pela Ilha Wake.

O local era conhecido por ser deserto e evitado pelos navegantes, o que lhe causou estranheza e o fez dar ordem à tripulação para aproximar-se e averiguar. Tratavam-se de japoneses sobreviventes do naufrágio da escuna Tokio-Maru, que há meses aguardavam a passagem de algum navio que os resgatasse. Eles foram, então, levados para bordo do Navio-Escola “Benjamin Constant”, recebendo ali os primeiros socorros, e seguiram junto com a tripulação para Yokohama, no Japão. Os instrutores de jiu-jitsu teriam continuado a viagem até o Brasil, onde toda essa história começou.
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Sou estudante da história do Jiu-Jitsu Barasileiro...
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