Foi em 24 de outubro de 1930 que o governo do então presidente Washington Luís e a chamada República Velha chegaram ao fim. No mesmo dia, o navio alemão “BADEN” partiu do Rio de Janeiro (RJ) rumo à Argentina, e quando estava entre o morro do Pão de Açúcar e a Fortaleza de Santa Cruz, foi advertido pela falta de autorização para navegar. No entanto, mesmo com os avisos da fortaleza, seu Comandante seguiu navegando pela Baía da Guanabara, e, após três tiros de advertência, foi bombardeado pelo Forte da Vigia (atual Fortaleza Duque de Caxias). Vinte e duas pessoas morreram e outras 55 ficaram feridas.
O episódio da década de 30 foi julgado pelo Tribunal Marítimo de Hamburgo, na Alemanha, pois o Brasil não dispunha de uma corte marítima. Assim, este fatídico evento foi preponderante para a criação do Tribunal Marítimo, que completou 90 anos neste mês, e desde sempre teve sua sede na zona portuária do Rio de Janeiro, em um prédio histórico, de fachada neoclássica, cujos primeiros registros remotam à década de 1860. Confira no vídeo abaixo a solenidade comemorativa na íntegra.
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O Tribunal Marítimo é um órgão autônomo, vinculado ao Ministério da Defesa, por meio da Marinha do Brasil, auxiliar do Poder Judiciário, com jurisdição em todo o território nacional. A Corte julga acidentes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre, determinando as causas, circunstâncias e extensões destes. Além disso, o Tribunal Marítimo tem como atribuição manter registros de armadores, de propriedade marítima, de ônus sobre embarcações brasileiras e o Registro Especial Brasileiro.

Em um país como o Brasil, com seu extenso litoral, a Corte Marítima é o único órgão a desempenhar este papel de fundamental importância. A atuação do colegiado, há nove décadas, contribui de forma efetiva para a segurança da navegação, a salvaguarda da vida humana no mar e, também, para a prevenção da poluição ao meio ambiente hídrico.
Seus acórdãos estabelecem os responsáveis pelos acidentes e fatos da navegação e aplicam as penas cabíveis, propondo também medidas preventivas e de segurança da navegação. Em razão da elevada especialização do colegiado de Juízes, as decisões da corte têm presunção de certeza, e são utilizadas no Poder Judiciário em processos de natureza indenizatória e criminal, decorrentes de naufrágios, encalhes, colisões, explosões e incêndios, além de avarias, alterações de rota, bem como o emprego de embarcações para prática de atos ilícitos.
O Tribunal Marítimo é composto por sete juízes, nomeados pelo Presidente da República: um Juiz-Presidente, que é Oficial-General do Corpo da Armada; um Capitão de Mar e Guerra (ou de Fragata) da Armada e outro do Corpo de Engenheiros Navais; bem como quatro Juízes Civis – dois bacharéis em Direito (um especialista em Direito Marítimo e outro em Direito Internacional Público); um especialista em armação de navios e navegação comercial e um Capitão de Longo Curso da Marinha Mercante.
Quanto à atribuição cartorial, o Tribunal expede digitalmente registros de Armador, Registro Especial Brasileiro, que confere benefícios fiscais para construção e manutenção de embarcações, bem como o Registro da Propriedade Marítima. Este último institui a nacionalidade, a validade, a segurança e a publicidade da propriedade de embarcações.
O Presidente do Tribunal Marítimo, Vice-Almirante Ralph Dias da Silveira Costa, afirma que, anualmente, a corte julga mais de mil processos de acidentes e fatos da navegação e emite cerca de dois mil documentos de registros de embarcações, armadores e do Registro Especial Brasileiro. “Com sabedoria e competência, esta corte especializada vem conduzindo ações que auxiliam o Poder Judiciário, possuindo uma grande relevância para a nação brasileira”, pontuou.
Ele enumera que no Brasil, a Amazônia Azul, extensa área marítima equivalente a 67% do território terrestre, é a principal via de transporte do comércio exterior, e possui rica diversidade de recursos naturais, regiões pesqueiras, reservas de petróleo, entre outros recursos minerais, além de uma grande malha hidroviária e lacustre navegável. “E é no Tribunal Marítimo que são julgados acidentes e fatos da navegação que ocorrem nestas ‘Águas Jurisdicionais Brasileiras’”. Assim, o Tribunal Marítimo traz segurança jurídica para a gente do mar, do porto, aos investidores e empreendedores, enfim, a todos envolvidos nas atividades marítimas e fluviais do nosso País”, comentou o Vice-Almirante Ralph Dias.
Casos emblemáticos
“Constantinópolis”
O primeiro processo autuado no Tribunal Marítimo brasileiro foi o naufrágio do navio “Cutter Constantinópoliss”, em 1934, no Maranhão. A embarcação era proveniente do município de Rosário e tinha carregamento de arroz e babaçu. Seu porto final seria a capital, São Luís, porém, naufragou nas imediações da Ponta da Minerva, na entrada da barra.
O Tribunal Marítimo se reuniu em 28 de fevereiro de 1935, exatos três meses depois do acidente, para dar início à avaliação do caso, e, em dezembro desse mesmo ano, seus juízes, por unanimidade, acordaram que o naufrágio foi fortuito, motivado por abertura de água em seu casco devido à força por embate com o mar e, com isso, o processo foi arquivado.
“Changri-Lá”
Entre os ataques perpetrados contra embarcações brasileiras na Segunda Guerra Mundial, destaca-se o caso do barco pesqueiro “Changri-lá”, ocorrido em julho de 1943. Esse processo merece ser mencionado, tendo em vista a peculiaridade de, a princípio, o desaparecimento da embarcação, com 10 tripulantes, não ter sido identificado como ataque de submarino.
Passados 55 anos, o então Diretor do Museu Histórico Marítimo de Cabo Frio, Elísio Gomes Filho, encaminhou à Procuradoria Especial da Marinha (PEM) um documento no qual afirmava que o “Changri-lá” havia sido afundado pelo submarino alemão U-199. A PEM analisou a documentação e, convencida da ocorrência do ataque ao “Changri-lá”, apresentou um recurso ao Tribunal Marítimo. Após a análise das provas, inclusive documentos alemães e norte-americanos sigilosos da época da Segunda Guerra, os juízes concluíram que o “Changri-lá” fora afundado por ato de guerra perpetrado pelo submarino alemão mencionado.
A Elísio foi dada uma recompensa honorífica, bem como, em memória das vítimas, aos seus familiares diretos. Foi proposta a inscrição dos dez tripulantes do “Changri-lá” no Panteão dos Heróis da Pátria, que ocorreu em junho de 2004, e o oferecimento a Elísio da Medalha de Colaborador Emérito da Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural da Marinha.
“Comandante Sales 2008”
Em maio de 2008, o barco “Comandante Sales 2008” naufragou no Rio Solimões, próximo à comunidade de Bela Vista, em Manacapuru (AM). Após enfrentar um rebojo (redemoinho), a embarcação naufragou parcialmente, o que causou a morte de 48 passageiros.
Esse acidente acentuou a importância de se observarem as normas de segurança e da regularização da embarcação e do seu pessoal. A embarcação não possuía inscrição, e era empregada no transporte de bois pelo antigo dono. No momento do acidente, quem conduzia a embarcação não tinha habilitação e ainda havia ingerido bebida alcoólica.
Em maio de 2010, os juízes do Tribunal Marítimo acordaram, por unanimidade, que as causas determinantes foram o excesso de pessoas a bordo, as alterações estruturais realizadas sem o acompanhamento de um responsável técnico habilitado, a falta de habilitação do condutor da embarcação e a falta de material de salvatagem. Em virtude disso, julgou o acidente como decorrente de imprudência e imperícia, responsabilizando o condutor da embarcação, condenando-o à pena de multa no valor máximo. Decidiu-se, ainda, manter a embarcação apreendida até que as irregularidades fossem sanadas.



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