Estudar diferentes regiões da Antártica, um continente isolado e relativamente pouco explorado, pode trazer respostas a diversas questões da atualidade. Apoiados por militares da Marinha do Brasil (MB), cientistas brasileiros atuam no ambiente austral desvendando enigmas ambientais, sociais e tecnológicos, em um cenário que sofre, sobremaneira, com as mudanças climáticas globais.

Tais mudanças impactam os organismos que ali vivem, sendo muitos deles endêmicos (que só ocorrem nesta região). E é por isso que o grupo de pesquisa do professor Luiz Henrique Rosa, doutor em Microbiologia, pesquisador titular do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais, estuda esses organismos como modelos/sentinelas dos efeitos dessas variações climáticas.

“A cada ano, estamos vendo que a península Antártica está ficando mais verde, proliferando mais organismos porque está aquecendo, bem como as geleiras cada vez mais se retraindo. Então, nossos estudos servem para alertar a humanidade e os tomadores de decisões governamentais que esse descongelamento da Antártica certamente vai impactar de várias formas o Brasil e o mundo”, explicou o professor Luiz Rosa.

Segundo ele, a depender dos impactos, podem ocorrer, no Brasil, pragas agrícolas ou mesmo doenças, pois muitos organismos desconhecidos habitam a Antártica e lá estão congelados e dormentes. “O conhecimento da biologia destes organismos pode nos dar vantagens preventivas, caso algum problema surja devido ao inevitável aquecimento da região”, acrescentou o pesquisador.

Sobre o Programa

Essa pesquisa acontece graças ao mais longevo programa científico do País, o Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), que completou 43 anos de existência no último domingo (12). Tendo à sua frente a Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM), da MB, o PROANTAR tem sido fundamental para que o País tenha protagonismo nos estudos sobre a região e seus fenômenos naturais, que atingem todo o planeta, influenciando o clima e as condições de vida, especialmente no Hemisfério Sul.

Criado em 12 de janeiro de 1982, o PROANTAR tem por objetivo compreender esses fenômenos que lá ocorrem, que tenham repercussão global e, em particular, sobre o território brasileiro; e garantir ao País a condição de Membro Consultivo do Tratado da Antártica, que assegura a plena participação do Brasil nos processos decisórios relativos ao futuro do Continente Branco.

Pesquisas na Estação Antártica Comandante Ferraz

Para apoiar a pesquisa do Professor Luiz Rosa e outras pesquisas de diferentes áreas do conhecimento, a MB mantém, no continente gelado, a Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), que completará em fevereiro 41 anos de existência. Localizada na Ilha Rei George, Baía do Almirantado, a EACF reúne militares e pesquisadores que se dedicam a decifrar os enigmas do ecossistema antártico, em busca de descobertas científicas que só poderiam ser realizadas na região.

A EACF tem a capacidade de acomodar até 64 pessoas, com notável qualidade de instalações e eficiência energética, o que possibilita pesquisas em uma plataforma ambientalmente sustentável, segura e confortável.

Contando com o apoio da EACF, o grupo do qual participa o professor também estuda os organismos da Antártica como possíveis desenvolvedores de bioprodutos que podem ser úteis na economia e na sustentabilidade. “Alguns deles já demonstraram que são capazes de produzir herbicidas mais amigáveis e naturais, que poderiam ser utilizados no agronegócio para controlar pragas agrícolas, como ervas daninhas; ou na prevenção a doenças, por serem capazes de produzir antibióticos contra enfermidades tropicais que acometem o Brasil e o mundo”, explicou o professor Luiz.

OPERANTAR e outras pesquisas

Em 6 de outubro de 2024, a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) deu início à 43ª Operação Antártica (OPERANTAR XLIII). O Edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), contemplou 29 projetos de pesquisa, dos quais, nesta operação, 24 estão sendo atendidos, com a participação de 171 pesquisadores.

Durante aproximadamente seis meses, a Marinha prestará apoio a esses cientistas, que realizam suas atividades na Estação Comandante Ferraz e em acampamentos científicos. Um exemplo de projeto aprovado e apoiado pela MB é o que visa a compreender a relação da sociedade com o continente austral.

De autoria dos pesquisadores Andres Zarankin, Melisa Salerno, María Jimena, Gerusa Radicchi, Alex Martire e Fernanda Codevilla, a proposta do trabalho é analisar a relação da humanidade com a Antártica de maneira ampla. O estudo inclui temas como: relações internacionais, política e direito internacional, defesa, economia, turismo, educação científica, formas de engajamento público com a pesquisa e exploração econômica de recursos naturais.

Outro projeto, do pesquisador Marcelo Soller Ramada, quer ampliar o conhecimento sobre a composição genética de diferentes espécies de musgos das regiões polares, a fim de entender melhor sua resposta aos distintos níveis de estresse a que elas são submetidas. Assim, o cientista quer sequenciar o genoma de dez espécies oriundas da região e do Ártico, buscando um melhor entendimento de suas capacidades de sobrevivência em ambientes tão extremos, trazendo “um novo olhar sobre as interações biológicas com as mudanças climáticas”.

Veja como foi a segunda fase desta operação:

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O papel da Marinha

O Subsecretário para o Programa Antártico Brasileiro, Capitão de Mar e Guerra Alessander Felipe Imamura Carneiro, conta que a Força emprega diversos meios navais para auxiliar o PROANTAR. Eles são enviados durante o verão austral, para aproveitar as condições propícias à navegação. Trata-se do Navio de Apoio Oceanográfico “Ary Rongel” e do Navio Polar “Almirante Maximiano”, além de dois helicópteros UH-17 embarcados.

Tal esforço visa garantir o apoio logístico às atividades do PROANTAR, o estabelecimento de acampamentos científicos e a realização de levantamentos hidrográficos. Os navios também servem como plataformas para a condução de estudos em diversas áreas do conhecimento, incluindo oceanografia, meteorologia, biologia e química.

Já os militares que compõem o Grupo-Base da EACF têm como uma de suas mais importantes tarefas o apoio e segurança a todas as atividades científicas desenvolvidas na Estação e seu entorno, realizadas em terra ou no mar. São, ainda, responsáveis pelo funcionamento e manutenção da Estação e seus equipamentos durante o período da missão, que dura 13 meses.

“A MB também garante a presença contínua do Brasil na Antártica com a operação e manutenção da Estação. Ao longo do ano, coordena voos de apoio ao Programa, realizados pela Força Aérea Brasileira (FAB), e promove o treinamento de todos os envolvidos nas Operações Antárticas”, afirmou o Capitão de Mar e Guerra Imamura.

O pesquisador Luiz Rosa atestou que, em relação à Marinha, todo esforço logístico tem sido importante para seus estudos. “Sem a Marinha executando essa atividade de apoio, não conseguiríamos avançar o tanto que avançamos”, assegurou.

 
Interesse nacional

Hoje, o PROANTAR é o principal mecanismo para a implementação da Política Nacional para Assuntos Antárticos (POLANTAR), que define as diretrizes para a atuação do Brasil nas altas latitudes do Hemisfério Sul, garantindo sua participação ativa na governança antártica.

O interesse legítimo e histórico do Brasil sobre o continente austral também é refletido na Política Nacional de Defesa, que inclui a Antártica no entorno estratégico brasileiro, reconhecendo-a como uma região onde o Estado deseja exercer influência e liderança nos campos diplomático, econômico e militar.

“Essa postura é justificada pela proximidade e pela importância do continente para as atividades econômicas e humanas do Brasil, além da relevância estratégica do Estreito de Drake para o comércio internacional”, informou o Capitão de Mar e Guerra Imamura.

“Almirante Saldanha”

Após pesquisa e estudos, a MB receberá, até 2026, um novo navio em apoio às operações na Antártica. O Navio Polar (NPo) “Almirante Saldanha” substituirá o NApOc “Ary Rongel” e reduzirá o tempo de reabastecimento da Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), em função dos guindastes com maior capacidade de carga e manobra, e será melhor equipado para o lançamento de acampamentos, tendo também maior autonomia para ampliar o apoio às pesquisas.

A embarcação prevê uma tripulação de 95 pessoas, incluindo 26 pesquisadores. Com a construção, estima-se gerar de 500 a 600 empregos diretos e 6 mil indiretos, além de fomentar a indústria naval brasileira e a base tecnológica nacional.

 

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