A Marinha do Brasil (MB) não se limita a empregar o Poder Naval para garantir a segurança das águas jurisdicionais contra ameaças externas e crimes transfronteiriços. Atua também como coordenadora de programas científicos no País, disponibilizando estrutura logística complexa e pessoal qualificado para viabilizar projetos nas Ciências do Mar, com a participação de universidades, empresas e pesquisadores.

A Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM), da Marinha, em parceria com ministérios como o do Meio Ambiente e Mudança do Clima, da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação, seleciona projetos em áreas como Meteorologia, Biologia Marinha, Botânica, Geologia, Oceanografia, Engenharia de Pesca e Biotecnologia. Essas iniciativas são desenvolvidas no âmbito do Programa de Pesquisas Científicas na Ilha da Trindade (PROTRINDADE) e do Programa de Pesquisas Científicas no Arquipélago de São Pedro e São Paulo (PROARQUIPELAGO).

“Ambos os programas são coordenados pela SECIRM e a seleção dos projetos ocorre por meio de editais lançados, em média, a cada três anos pelo CNPq, responsável pela avaliação quanto ao mérito científico. Outro órgão com papel relevante nesse processo é o ICMBio, que avalia o mérito ambiental. Compete à Marinha promover treinamentos específicos para habilitar os pesquisadores a integrarem as expedições e assegurar a operacionalidade das estações científicas mantidas nesses locais remotos, o que se dá com o apoio expressivo da PETROBRAS e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)”, explica o Gerente do Programa de Pesquisas Científicas nas Ilhas Oceânicas (PROILHAS), Capitão de Mar e Guerra (Quadro Técnico) Marco Antonio Carvalho de Souza.

PROTRINDADE

A Ilha da Trindade, localizada a cerca de 1.200 quilômetros de Vitória (ES), é o ponto do território brasileiro onde o Sol desponta primeiro. Habitada e protegida por militares da MB, só pode ser visitada por pesquisadores vinculados a projetos científicos previamente selecionados, que abordam temas como peixes recifais, rochas vulcânicas, aves e a flora endêmica local.

Além de abrigar diversas espécies de fauna e flora, algumas exclusivas da ilha, a região está próxima a bacias petrolíferas e a uma das áreas de maior desenvolvimento socioeconômico do País, o que a torna um ponto estratégico para a defesa nacional. Por esse motivo, foi criado em 1957 o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT).

A presença contínua da MB na ilha, desde a implantação do POIT, foi decisiva para assegurar a posse efetiva e o direito de estabelecer o Mar Territorial e a Zona Econômica Exclusiva em seu entorno, conforme previsto na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Juntos, esses espaços somam uma área de aproximadamente 450.000 km², na qual o Brasil exerce soberania para pesquisar, preservar e explorar, de forma sustentável, os recursos da coluna d’água, do leito marinho e do subsolo.

Estudos científicos em águas brasileiras

Um dos projetos aprovados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para ser desenvolvido na Ilha da Trindade é conduzido pelas pesquisadoras professora Letícia Lotufo e doutora Bianca Sahm, da Universidade de São Paulo, e busca explorar o potencial biomédico e biotecnológico de bactérias presentes em algumas espécies de animais marinhos.

“Os dados obtidos em nossas pesquisas permitem compreender mudanças significativas na biologia e ecologia desses animais ao longo do tempo, em função das alterações climáticas”, afirmou a pesquisadora Bianca Sahm. Segundo ela, o estudo busca identificar substâncias que possam ser utilizadas no tratamento de doenças como o câncer e infecções bacterianas, além de contribuir para o manejo de ambientes marinhos protegidos por políticas públicas.

“Graças ao apoio logístico e organizacional da Marinha, nosso grupo de pesquisa tem acesso às zonas mais remotas do território brasileiro, onde descobrimos espécies novas, substâncias com grande potencial farmacológico e um acervo riquíssimo de informações biológicas, genéticas e químicas da biodiversidade brasileira. Sempre solícitos com as demandas que a pesquisa exige, agradecemos à Marinha do Brasil por proporcionar o desenvolvimento deste projeto tão importante para a ciência brasileira e mundial”, ressaltou a pesquisadora.

 

 

O professor doutor Renato Ghilardi, da Universidade Estadual Paulista, desenvolve na Ilha da Trindade um projeto de biopaleontologia, que estuda conchas para determinar, por meio de datações químicas, sua idade, que pode variar de dois a 70 mil anos. O objetivo é analisar como essas estruturas se comportaram desde sua formação.

Essa pesquisa é de fundamental importância porque não há ação humana no local, ou seja, não há o homem ‘importunando’ a natureza. Ali encontramos conchas que realmente demonstram como o clima vem variando, sem interferências. Ao detectar padrões de alterações climáticas nas últimas centenas de milhares de anos, conseguimos, de certa forma, prever o futuro, à medida que entendemos as tendências e diretrizes que as temperaturas têm seguido nos últimos anos”, explicou o pesquisador.

Para ele, um “simples registro de conchas” pode oferecer à sociedade uma compreensão mais ampla do funcionamento do planeta. “Esperamos reunir uma série de dados que nos permitam entender como o clima do nosso País e do mundo mudou. A partir do momento em que dispomos dessas informações sobre variação de temperatura, oxigênio e outros padrões físicos e químicos registrados pelas conchas, podemos comparar com os dados da costa brasileira, onde há ação antrópica, e assim observar como o homem interfere no clima.”

O professor também destacou o apoio essencial da MB para viabilizar os estudos. “A Marinha é nosso suporte, o pilar do funcionamento nas ilhas oceânicas. Sem essa estrutura de logística e infraestrutura, não teríamos como realizar esse tipo de pesquisa, não há sombra de dúvidas”, concluiu.
 

PROAQUIPÉLAGO

O Arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP) é formado por um conjunto de pequenas ilhas rochosas, desprovidas de vegetação, localizadas a cerca de 1.000 quilômetros do litoral do Estado do Rio Grande do Norte. Trata-se de uma região privilegiada para o desenvolvimento de pesquisas em diversos ramos da ciência. 
 

Sua posição geográfica confere ao Arquipélago grande importância estratégica, por situar-se em rotas utilizadas por peixes de comportamento migratório, cujos valores comerciais atingem patamares elevados no mercado internacional, como é o caso da albacora-laje (Thunnus albacares), espécie de atum.

A localização estratégica e as características peculiares das ilhas, aliadas aos amplos interesses científicos e econômicos relacionados aos recursos naturais encontrados na região, justificam a continuidade e a ampliação do programa de pesquisas desenvolvido no local.

Atualmente, o Arquipélago conta com uma Estação Científica (ECASPSP), ocupada por no mínimo três e no máximo quatro pesquisadores, que são substituídos a cada 15 dias. As substituições são realizadas por embarcações de pequeno porte, fretadas pela SECIRM, que permanecem na área durante todo o período da expedição para garantir a segurança da equipe, sendo equipadas com sistemas de rádio (VHF e HF) e telefonia por satélite.

Esses barcos de apoio partem da Base Naval de Natal transportando os pesquisadores até o ASPSP, com escala no Arquipélago de Fernando de Noronha, situado a 360 km da costa. A manutenção da operacionalidade da estação científica e dos demais equipamentos naquele local remoto é assegurada pelo emprego de navios de grande porte da própria MB.

Espécies-chave

Há um estudo coordenado pela doutora Rosângela Lessa, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que reúne uma equipe multidisciplinar para investigar a ecologia e a saúde de espécies-chave da região. O projeto analisa diversos aspectos, como a dinâmica populacional dos peixes, suas relações alimentares (ecologia trófica), o uso dos habitats e os padrões migratórios, além da presença de parasitas e dos impactos da poluição.

Segundo o doutor Aristóteles Queiroz, pós-doutorando no Institut Français de Recherche pour l'Exploitation de la Mer (Ifremer), na França, e integrante da equipe, o principal objetivo é gerar dados essenciais para a conservação de espécies como a albacora-laje, a cavala-empinge (Acanthocybium solandri), o peixe-rei (Elagatis bipinnulata) e o peixe-voador (Cypselurus cyanopterus).

“Nossa maior preocupação é entender como a pesca e a poluição têm impactado a biodiversidade e a sustentabilidade dos estoques pesqueiros no ASPSP — um ambiente frágil e cada vez mais pressionado por ações humanas. A hipótese é que essas pressões estejam alterando o equilíbrio ecológico das populações de peixes, o que pode trazer consequências graves para sua conservação e para o uso sustentável desses recursos”, explicou o pesquisador.

 

 

Essas espécies não são apenas economicamente relevantes, mas também exercem papéis ecológicos fundamentais. Algumas utilizam o arquipélago como ponto de repouso e alimentação durante longas migrações, enquanto outras vivem permanentemente na região. Por isso, compreender o que ocorre ali é essencial para a preservação da vida marinha em escala mais ampla.

Ainda de acordo com o doutor Aristóteles Queiroz, o apoio da MB tem sido decisivo para o êxito do projeto. “A instituição garante o transporte até o arquipélago, oferece suporte logístico durante as expedições, realiza treinamentos prévios e promove encontros entre os diversos grupos de pesquisa que integram o PROILHAS. É uma ação conjunta com um propósito comum: fortalecer a ciência brasileira, formar profissionais altamente qualificados, proteger um ecossistema único e reforçar a presença nacional no centro do Atlântico”, concluiu.

Saiba mais sobre o Arquipélago de São Pedro e São Paulo:

youtube[https://www.youtube.com/embed/wusiwahcVsw?rel=0&]


Confira um sobrevoo pela Ilha da Trindade:

youtube[https://www.youtube.com/embed/2QmIJe_VZJE?rel=0&]

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