Admiradas como entretenimento e praticadas como esporte, as acrobacias aéreas também eram, no passado, táticas de defesa das aeronaves, sobretudo durante as grandes guerras. Embora rápidos, os aviões eram frágeis e, por isso, precisavam desviar dos ataques inimigos durante incursões sobre o campo adversário. Nesse tipo de manobra, destacava-se, pelo pioneirismo e ousadia, o Tenente (Aviador Naval), Jorge Marques de Azevedo, da Marinha do Brasil (MB).
“O Tenente Azevedo, que serve na aviação naval e é engenheiro civil, por sua grande perícia, é considerado um dos maiores ‘ases’, não só da Marinha, mas de todo o Brasil. Especializando-se em acrobacia, tornou-se um dominador absoluto do avião, que, sob seu comando, fazia tudo. Nenhuma das chamadas altas acrobacias intimidava o tenente Azevedo (...) ‘loopings’, ‘torneaux’, e principalmente voos de dorso, ele os praticava com firmeza de verdadeiro ‘ás’. No voo de dorso, ele era inexcedível”, definia uma edição de setembro de 1937 do Correio da Manhã.
Sinônimo de técnica e coragem
O Oficial ingressou na MB em 1932, na primeira turma da Escola de Aviação Naval aberta a profissionais civis, ao lado de outros cinco companheiros. A incorporação desses profissionais foi a solução encontrada para atender à crescente demanda do setor. Eles passaram a integrar o Corpo de Oficiais da Reserva Naval Aérea, precursor do que viria a ser o Quadro Complementar de Oficiais e que habilitou 77 pilotos até 1940. Desde a sua formação, o nome de Azevedo tornou-se sinônimo de técnica e coragem em uma atividade extremamente arriscada e relativamente nova no País.

O Oficial chegou à Aviação Naval quando esta vivia seu auge no Brasil. A Força dispunha de pelo menos 30 aparelhos, seis dos quais eram aviões de caça Boeing Model 256, de 550 cavalos de potência e fuselagem de metal. Era dez vezes mais do que possuía em 1916, ano de criação da Escola de Aviação Naval, quando contava com três hidroaviões, ou aerobotes, de 90 cavalos e estrutura de madeira. Esse avanço ocorreu em menos de 30 anos após o primeiro voo da história, protagonizado pelo brasileiro Santos Dumont, na França.
Apesar de ficar conhecido pela destreza em voos rasantes e pousos de exibição, o trabalho do Aviador Naval ia além. Como piloto de provas, ele era o elo entre a teoria dos engenheiros e a realidade operacional, testava comandos, avaliava motores e checava a resistência das estruturas. Se algo desse errado, era o piloto quem pagaria o preço ‒ o que ele viu acontecer com alguns irmãos de farda. Parar de voar, porém, era algo impensável para Jorge Marques de Azevedo, cujo perfil destemido contribuiu para o desenvolvimento tecnológico da aviação nacional.
O atual decano da Aviação Naval, Vice-Almirante José Vicente de Alvarenga Filho, define como heróis esses primeiros homens do ar. “No início, houve realmente a necessidade e uma dedicação muito grande à atividade aérea. E eles possibilitaram que a Marinha pudesse avançar nesse campo”, reconhece. Para o Vice-Almirante Alvarenga, as qualidades demonstradas pelo Tenente Azevedo à época, como exímio acrobata e engenheiro civil da Fábrica de Aviões do Galeão, inspiram os atuais Aviadores Navais a aplicá-las naquilo que a Aviação Naval considera mais valioso: a operação embarcada.
Grandes responsabilidades
Em novembro de 1936, coube ao Tenente Azevedo a responsabilidade de realizar o voo inaugural do primeiro Focke-Wulf 44J Stieglitz, batizado no Brasil de “Pintassilgo”, construído na Fábrica do Galeão, no Rio de Janeiro (RJ), com peças vindas da Alemanha. A missão tinha peso simbólico: tratava-se de provar a eficiência de um avião que seria o modelo a ser replicado pela Marinha em território nacional. Poucos meses depois, o mesmo Oficial realizaria o voo do primeiro exemplar do “Pintassilgo” inteiramente montado no País.

“Importante ressaltar que o Tenente Azevedo estava lastreado por profissionais, Oficiais e Praças de outras especialidades, como o pessoal de suprimentos, de intendência, de medicina de aviação, os mecânicos, controladores de voo. Sem eles, a Aviação Naval não teria chegado aos 109 anos como está hoje”, reflete o Vice-Almirante Alvarenga, que já foi Diretor de Aeronáutica da Marinha e Comandante da Força Aeronaval e, atualmente, ocupa o cargo de Vice-Chefe de Educação e Cultura do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.
Nova Força, outros ares
Após fazer história na Aviação Naval, Jorge de Azevedo destacou-se nas fileiras da Força Aérea Brasileira (FAB), criada com o Ministério da Aeronáutica em 1941. O decreto-lei que instituiu o novo órgão também transferiu para ele todos os elementos e o pessoal militar da Aviação Naval e do Exército. Sob a direção da FAB, participou da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em missões de vigilância e patrulhamento contra submarinos no litoral brasileiro, sendo condecorado por seu heroísmo.
Jorge de Azevedo chegou ao posto de Tenente-Coronel Aviador da FAB, quando ingressou na condição de Oficial da Reserva, em 1951. No ano seguinte, as Forças Armadas seriam reestruturadas, com o retorno das atividades aeronáuticas da MB, atendendo à necessidade, constatada durante a Segunda Guerra, de o Brasil contar com aeronaves embarcadas para apoiar os navios no mar. O Oficial não teve, portanto, oportunidade de retornar à Força que o formou Aviador nesta nova fase da Aviação Naval.

Na vida civil, continuou a exercer sua maior paixão: foi piloto da antiga Viação Aérea São Paulo (VASP) e Superintendente do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Congonhas (SP). Segundo o livro Tempos heroicos da aviação – A história do Tenente Azevedo, o Aviador também teria organizado a primeira escola de aviação civil no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Ele seguiu promovendo a atividade, com artigos para o jornal Folha de São Paulo em 1977, em que compartilhava suas memórias e experiências no cockpit (cabine de pilotagem).
Evolução da Aviação
A Aviação Naval continuou a evoluir nos anos seguintes e, hoje, conta com a Diretoria de Aeronáutica da Marinha, sediada no Rio de Janeiro (RJ), e com o Comando da Força Aeronaval, situado em São Pedro da Aldeia (RJ). Este último reúne o Centro de Instrução e Adestramento Aeronaval Almirante José Maria do Amaral Oliveira, a Base Aérea Naval, o Grupo Aéreo Naval de Manutenção, o Centro de Intendência da Marinha e a Policlínica Naval, além de um Esquadrão de Aviões, um de Aeronaves Remotamente Pilotadas e cinco de Helicópteros.
A Força também dispõe de Esquadrões de Helicópteros em Manaus (AM), Ladário (MS), Rio Grande (RS) e Belém (PA). Os avanços nesse campo incluem, ainda, a formação profissional, que exige trabalho de excelência de civis e militares de diferentes especializações e capacidades, em áreas como pilotagem, armamento, abastecimento, manutenção, hidráulica, elétrica e até mesmo saúde. “Apesar de todos os desafios que tivemos pela frente, conseguimos avançar bastante”, avalia o Vice-Almirante Alvarenga.

O decano lembra o quanto essa evolução vem contribuindo para o sucesso das missões da Marinha, tanto na defesa naval quanto no apoio à população brasileira. “Se a necessidade é proteger nossas riquezas, nós vamos empregar o armamento. E o nosso armamento é tecnologicamente avançado. Ele é a ‘última ratio’, a última razão, e nós temos orgulho da letalidade da Aviação Naval, dos nossos mísseis, metralhadoras e armas submarinas, como o torpedo. Mas a mesma aeronave que emprega esse armamento pode ser usada para salvar uma vida, um náufrago que está na água.”
Como exemplo das múltiplas possibilidades de atuação desses militares, o Vice-Almirante Alvarenga lembra do apoio prestado pela MB em missões humanitárias recentes. “Embarcados no Navio-Aeródromo Multipropósito ‘Atlântico’, que é uma das nossas casas, fomos dar ajuda à população de São Sebastião, assolada pelas chuvas. E agora, mais recentemente, no ano passado, na Operação ‘Taquari 2’. Ou seja, a mesma aeronave que pode causar destruição, salva vidas. Essa é a versatilidade da Aviação e que nós temos orgulho de ter.”
Capa: Jackson Flores
Comentários
Parabéns pela excelente matéria!
Tempos heróicos, exigiam além de muita perícia, coragem. Hoje torna-se impossível avaliar tantos méritos. Merecem ser lembrados e reverenciados!
Ótima reportagem, contribuindo para a História da MB, e reconhecendo a evolução das Armas no Brasil, mencionado que, em Janeiro de 1941, com a formação do Miin. da Aeron., acabou-se a Aviação NAval, reconstituída posteriormente.
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