No coração de uma das instituições militares mais tradicionais do País, duas mulheres acabam de romper uma barreira histórica: Giselle Milano Nunes e Judite Mariano Silva da Costa são as primeiras mulheres militares promovidas à graduação de Suboficial do Corpo de Fuzileiros Navais (CFN). Ambas têm em comum não só os 24 anos de dedicação à Marinha do Brasil (MB), mas também a paixão pela música e a determinação de construir um novo capítulo da presença feminina na Força.

Atualmente integrando as bandas militares, a Suboficial (FN-MU) Milano especializou-se no oboé, instrumento de sopro conhecido por seu timbre suave e referência de afinação para orquestras. Já a Suboficial (FN-MU) Judite dedica-se ao clarinete, também de sopro, reconhecido pela versatilidade e presença em diferentes estilos musicais.

Um oboé no caminho da farda

A trajetória da Suboficial Milano iniciou-se em Mar de Espanha (MG). Na adolescência, lecionava em uma escola rural, economizando para custear uma hora mensal de aula de oboé. Incentivada pelos pais e professores, aproximou-se da música e passou a sonhar com a carreira militar.

Inicialmente, não imaginava que seguiria a carreira militar por meio da música. Mais do que um sonho, ingressar na Marinha era uma necessidade, pois venho de uma família humilde. Minha trajetória não foi fácil e já aos 17 anos meus dias começavam cedo e, no caminho dos meus estudos musicais, fui apresentada ao oboé, instrumento pelo qual me apaixonei ao ouvir uma gravação do solo de 'O Lago dos Cisnes', de Tchaikovsky. Na época, um vizinho me presenteou com um disco da Banda Sinfônica do CFN, um tesouro que guardo até hoje”, relembra.

O que ela chama de “grande oportunidade” veio em 2000, quando a Marinha abriu, pela primeira vez, um concurso de Sargento músico para ambos os sexos. Com uma vaga disponível para o oboé, Milano ouviu o coração. “Estudava entre 10 e 12 horas por dia, entre teoria, prática instrumental e corrida com meu pai”, relembra. Aprovada, integrou em 2001 a primeira turma de mulheres do CFN, sendo uma das oito musicistas entre 45 militares formados naquele ano.

Ao longo de mais de duas décadas atuou como oboísta e instrumentista de corne inglês, da mesma família do oboé. Giselle Milano percorreu salas de concerto e quartéis e tocou com artistas consagrados, através da Banda Sinfônica do Corpo de Fuzileiros Navais, como Lulu Santos, Nana Caymmi, Guilherme Arantes e Daniel.

Além disso, formou-se bacharel em oboé pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e, mais recentemente, assumiu um novo desafio: preparar a primeira turma de Soldados Fuzileiros Navais do segmento feminino. “Esse projeto me marcou profundamente. Mais do que ser musicista, estou contribuindo para formar combatentes prontos para servir o Brasil”, afirma, emocionada.

A paixão pela Marinha e pela música também está presente em sua família. Com um irmão militar e trombonista, que ingressou na Força em 2004, Milano afirma: “Já está arraigado no sangue.”

Entre sons e clarinetes

Assim como Milano, a história de Judite Mariano também começou com um sonho musical e o desejo de romper barreiras. Quando a Marinha anunciou a abertura para mulheres no concurso de Sargento Músico, ela viu ali a chance de unir talento e vocação à carreira militar. Em 2001, entrou para a mesma turma, a pioneira das mulheres no CFN.

Ao longo da carreira, Judite trilhou caminhos diversos: foi Comandante de pelotão feminino, integrou programas sociais como o “Segundo Tempo” e embarcou em navios como o de Desembarque de Carros de Combate Garcia D’Ávila e o Aeródromo Multipropósito Atlântico. Além disso, ela até atuou como mestre interino da banda militar em 2024 — um desafio que ela considera um divisor de águas. “Foi preciso me posicionar. A partir daí, os desafios forjaram meus conhecimentos musicais e profissionais”, relata a agora Suboficial.

Judite não tem outros militares na família, mas seus feitos inspiram todos ao seu redor. Para ela, a promoção a Suboficial representa mais do que uma conquista individual. “A satisfação da minha família em me ver nessa carreira estimula conversas e reforça que sou capaz. Sinto-me um exemplo que motiva novas gerações a concretizarem seus sonhos.”

Um mar ainda a navegar

Ambas reconhecem os avanços significativos da MB na inclusão feminina, desde adaptações nos uniformes até mudanças estruturais nas organizações militares. Mas sabem que ainda há um caminho a percorrer e, por isso, querem estar na linha de frente dessa jornada.

“Hoje colho os frutos das sementes que plantei, mas sigo semeando novas para as gerações futuras”, resume Judite. Já Giselle reforça: “Ser Fuzileiro é estar sempre pronto. Não me pergunte se sou capaz, dê-me a missão”, repetindo o lema que norteia a sua trajetória e de muitas mulheres que escolhem a carreira militar.

Desde a cerimônia de promoção, realizada neste mês de junho, e a partir de agora, já é possível ouvir o som de um novo tempo ecoando através dos clarins e tambores do CFN. Hoje, Milano serve no Centro de Instrução Almirante Milcíades Portela Alves (CIAMPA) e Judite no Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo (CIASC), ambos no Rio de Janeiro (RJ).

Elas integram a Força que, desde 7 de julho de 1980, expande o ciclo de pioneirismo na presença feminina em todos os Corpos e Quadros. A promoção das duas reforça não apenas a ascensão na carreira, mas também a comprovação de que os sonhos não têm gênero.

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